Inconformados

E não vos conformeis a este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus (Romanos 12:2).

O texto acima é frequentemente usado para dissociar o homem espiritual do ser social, sugerindo o não engajamento nas demandas da sociedade, fazendo com que esse ente de cunho religioso pense sempre na perspectiva escatológica, pressupondo que não há necessidade ou não faz sentido envolver-se e preocupar-se com questões que em última análise não vão reverberar ou influenciar na eternidade.

Enquanto nos ocupamos com assuntos “altamente complexos e nocivos” a nossa fé como, “o perigo dos avatars”, “a maldição do halloween”, “o cristão pode ou não ouvir música secular?”, entre outros do mesmo gênero, o reino das trevas aplaude de camarote nossa omissão em relação a temas que o Evangelho realmente empresta significado e importância, como a tragédia social das meninas de 12 anos que engravidam, abortam e se prostituem, dos garotos de 13 que usam droga, traficam, roubam e matam, dos moradores de rua que são mortos e vítimas da injustiça e da exclusão de políticas públicas eficazes, etc.

A ironia é proposital para demonstrar nossa facilidade em empregar energia naquilo que fica na periferia do que o Evangelho realmente identifica como causa pela qual devamos nos preocupar e lutar. O reino do mal é sofisticado e altamente qualificado em nos distrair com assuntos que povoam nosso imaginário religioso, e que nos tiram do foco principal que é lutar e servir ao próximo em todas as esferas e instâncias possíveis.

Nossa luta não é contra avatar, halloween ou música secular, é contra um principado chamado corrupção que condiciona milhões a miséria. Nossa batalha é contra as hostes da maldade instaladas nas nossas estruturas sociais que nos fazem conformar e achar normal as injustiças das mais variadas naturezas, diante das quais nós como cristãos deveríamos ser os instrumentos de combate e transformação. Nossa peleja é contra as potestades do mal que imperam na consciência daqueles que se omitem quando um líder político ou religioso abusa de seus liderados física, moral ou psicologicamente, “passando pano” para um endemoninhado de batina, terno, ou seja lá qual for o traje que esconda a maldade do ser sem denunciá-lo, porque afinal de contas, não podemos nos rebelar contra um escolhido de Deus.

Não precisamos de uma espiritualidade que tire nossos pés do chão, mas de uma que finque eles no solo sagrado do sofrimento alheio. Precisamos de uma religião que ao invés de canalizar nossos esforços em tirar o cisco do outro, tire antes a trave do nosso olho que nos impede de enxergar a desgraça do semelhante sem fazer nada. Precisamos de uma fé que não dê tanta ênfase em coar mosquito, mas que se preocupe essencialmente com o camelo da desigualdade e o dromedário da intolerância que nos está sendo empurrado goela abaixo, pela nossa falta de discernimento em perceber que a vida proposta pelo Evangelho é muito mais do que questiúnculas de ordem meramente mística, religiosa e comportamental.

Que Deus tenha misericórdia de nós...

Deus te abençoe,

Franklin Rosa