Por que algumas crianças abandonam a fé e os bons costumes ao chegar na fase adulta?
“Ensina
a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se
desviará dele.” - Provérbios 22:6
À primeira vista, Provérbios
22:6 parece garantir que filhos de crentes sempre seguirão o caminho da fé e
dos bons costumes se forem devidamente ensinados. No entanto, a realidade
mostra que nem sempre isso acontece, o que gera tensão e crise de fé em alguns
pais piedosos. Vamos analisar a questão mais amplamente para chegar em um
consenso.
Provérbios é um livro de sabedoria, composto por máximas e
princípios práticos para a vida cotidiana. Ele oferece diretrizes gerais sobre
como o mundo costuma funcionar, mas isso não significa que todas as declarações
sejam promessas incondicionais. Por exemplo, Provérbios 10:4 diz que "as
mãos preguiçosas empobrecem, mas as mãos diligentes enriquecem." Isso
é uma verdade geral, mas nem todos os trabalhadores diligentes se tornam ricos,
nem todos os preguiçosos ficam pobres. Essas são observações gerais, e não
garantias absolutas. Quanto ao texto da reflexão, pode-se afirmar que o ensino correto
aumenta as chances de que a criança siga o caminho certo, mas não remove sua
capacidade de fazer escolhas próprias. Assim, Provérbios 22:6 deve ser entendido como uma diretriz, não uma
promessa infalível.
A Bíblia ensina que os seres humanos são responsáveis por suas escolhas.
Mesmo filhos de crentes são livres para seguir ou rejeitar o caminho de Deus. Deuteronômio 30:19 mostra como Deus
coloca diante das pessoas o "caminho
da vida e da morte", mas é responsabilidade delas escolher o que
seguir. A doutrina do livre-arbítrio se aplica também às crianças que cresceram
em lares cristãos.
Mesmo os filhos de crentes nascem com uma natureza pecaminosa (Romanos 3:23; 5:12). Essa inclinação
ao pecado pode levá-los a se desviar, apesar do ensino que receberam. O pecado
é uma força ativa que afeta todos, e não há garantias de que a criação
espiritual, por mais sólida que seja, irá automaticamente anular essa
influência.
No contexto da teologia reformada, a doutrina da eleição defende que nem
todos os filhos de crentes podem estar incluídos entre os eleitos. Essa linha
de interpretação se baseia em Romanos
9:6-16 onde diz que nem todos dentro do povo de Deus são escolhidos para a
salvação, uma escolha que depende da misericórdia soberana de Deus. Portanto, segundo
os reformados o desvio de um filho pode ser compreendido dentro do mistério da
eleição divina, o que vai além da responsabilidade dos pais.
Os exemplos bíblicos positivos e negativos
A Bíblia apresenta exemplos de filhos que se desviaram, mesmo sendo
criados por pais piedosos. Manassés, filho de Ezequias, tornou-se
um dos reis mais ímpios de Judá. Apesar da piedade de seu pai, ele praticou
idolatria e até mesmo sacrifícios humanos, levando o povo de Judá a se desviar
de Deus (2 Reis 21:1-18). Samuel foi
um grande profeta e juiz de Israel, mas seus filhos Joel e Abias se desviaram
ao agir com ganância, aceitando subornos e pervertendo a justiça (1 Samuel 8:1-5). Isso causou
descontentamento em Israel e levou o povo a pedir um rei.
Por outro lado quando os pais dão um mau exemplo ou não
vivem conforme os princípios bíblicos, isso pode prejudicar o desenvolvimento
espiritual dos filhos, levando-os ao afastamento da fé. Os filhos, observando a
incoerência entre o ensino e a prática, podem se sentir desencorajados ou
confusos sobre os valores cristãos. Assim, o mau exemplo dos pais pode ser um
fator significativo no desvio espiritual dos filhos. Davi, apesar de ter sido
um homem segundo o coração de Deus, cometeu vários erros e teve vários filhos
que causaram problemas. Absalão, um dos mais notáveis, se rebelou contra Davi,
tentou usurpar o trono e acabou morrendo como resultado de sua revolta (2 Samuel 15-18). Eli, o sacerdote,
tinha filhos que eram ímpios e desrespeitavam as práticas sagradas. Apesar de
Eli saber do comportamento corrupto deles, ele foi conivente com o pecado e não
os disciplinou adequadamente. Como resultado, os filhos de Eli, Hofni e
Fineias, se desviaram da fé e enfrentaram a condenação de Deus (1 Samuel 2:12-17, 22-25).
Embora os pais tenham a responsabilidade de ensinar seus filhos nos
caminhos do Senhor (Efésios 6:4), a
transformação do coração é uma obra do Espírito Santo. A oração e a intercessão
constante pelos filhos têm um papel crucial. Assim, os pais podem ensinar e
orar, mas a conversão final depende da ação divina no coração do filho.
Mesmo quando os filhos se desviam, isso não significa que estão além da
redenção. A parábola do filho pródigo (Lucas
15:11-32) mostra que, apesar do desvio, existe sempre a possibilidade de
retorno à fé. Essa verdade deve oferecer esperança aos pais cristãos, lembrando
que a graça de Deus pode alcançar aqueles que se afastaram.
Em síntese, Provérbios 22:6
não deve ser lido como uma garantia absoluta, mas como uma diretriz sábia para
a educação. O livre-arbítrio, o pecado e a soberania divina são fatores que
explicam por que alguns filhos se desviam. No entanto, a Bíblia também oferece
esperança e a possibilidade de redenção para os que se afastaram.
Este texto faz
parte de um novo livro que estou escrevendo, intitulado Questionando a Bíblia, que aborda
curiosidades, passagens e temas de difícil explicação na Bíblia.
Se você, caro leitor, tiver alguma dúvida de natureza bíblica ou teológica, envie sua pergunta para o e-mail franklinrosa.sp@gmail.com, e terei o prazer de respondê-lo, mantendo sua identidade em sigilo. Assim, você estará contribuindo para o conteúdo deste novo trabalho.
Deus te abençoe,
Franklin Rosa