A tensão entre Antigo e Novo Testamento

Como conciliar a severidade da Lei no Antigo Testamento com a Graça no Novo Testamento? 

O conceito teológico de "revelação progressiva" é fundamental para compreender a severidade das leis no Antigo Testamento. Esse princípio reconhece que Deus revelou Sua vontade e Seu caráter de forma gradual e crescente ao longo da história, levando em consideração a capacidade de entendimento dos seres humanos em seus contextos cultural, social e espiritual. Essa abordagem progressiva reflete a paciência de Deus em educar a humanidade sobre Sua santidade e justiça, preparando o caminho para a revelação plena em Jesus Cristo.

No Antigo Testamento, as leis dadas ao povo de Israel tinham um propósito específico dentro de seu contexto histórico. Tratava-se de uma época em que a sobrevivência nacional, a manutenção da ordem e a preservação da pureza religiosa eram prioridades essenciais para uma comunidade que vivia cercada por culturas idólatras e moralmente corruptas. Por isso, a justiça de Deus frequentemente se manifestava de maneira direta e severa, como nas punições previstas na Lei de Moisés. Essas medidas eram adequadas àquela época, em que o povo ainda não possuía uma compreensão plena da graça divina nem do caráter completo de Deus.

Certa ocasião, Jesus fez a seguinte declaração: "Tenho ainda muito que lhes dizer, mas vocês não o podem suportar agora. Mas, quando o Espírito da verdade vier, ele os guiará a toda a verdade" (João 16:12-13). Essa fala deixou claro que a revelação divina não havia terminado com a Lei ou os profetas, mas constitui um processo dinâmico, no qual Deus instrui Seu povo de forma gradual, levando-o a uma compreensão mais profunda de Sua vontade.

O autor de Hebreus reforça essa verdade ao afirmar: "Há muito tempo Deus falou muitas vezes e de várias maneiras aos nossos antepassados por meio dos profetas, mas nestes últimos dias falou-nos por meio do Filho" (Hebreus 1:1-2). Essa passagem aponta para o clímax da revelação divina na pessoa de Jesus Cristo, que não somente cumpriu a Lei, mas também revelou o caráter de Deus de maneira plena e definitiva. O que antes era transmitido por símbolos, rituais e códigos de conduta agora é plenamente revelado na vida, morte e ressurreição de Cristo.

Em Gálatas 3:24, Paulo descreve a Lei como um "tutor" (no original, paidagogos), enfatizando sua função temporária e preparatória. No contexto da cultura greco-romana, o tutor era responsável por disciplinar e proteger crianças até que atingissem a maturidade. A Lei, de maneira semelhante, expôs o pecado e guiou o povo a Cristo, mostrando a incapacidade humana de alcançar justiça própria. Enquanto a Lei exige perfeição, a Graça concede misericórdia. No entanto, ambas refletem o caráter justo e amoroso de Deus, complementando-se no propósito de reconciliar o homem com Ele.

Portanto, as leis do Antigo Testamento não devem ser entendidas como prescrições eternas ou como um reflexo pleno do caráter de Deus. Elas eram medidas específicas e necessárias para um momento particular da história, preparando o povo para algo maior e mais completo. A revelação progressiva nos ajuda a ver que o propósito último dessas leis era apontar para Cristo, que trouxe a plenitude da verdade e inaugurou uma nova aliança baseada na graça, onde a severidade da Lei cede lugar à justiça perfeita e ao amor redentor de Deus.

A revelação progressiva é o mosaico de Deus que, peça por peça, revela a verdade eterna ao longo das épocas, culminando plenamente em Cristo.

 

•Esse material foi preparado como apoio para a Escola Bíblica Batista Betel, lição 12: O Valor da Vida; Revista — O Comportamento do Crente, págs. 54-57.

 

Recomendação de leitura e pesquisa:

•Lei e Graça: A Tensão entre o Antigo e o Novo Testamento  Alva J. McClain

•Teologia Sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual  Wayne Grudem

 

 

Deus te abençoe,

 

Franklin Rosa