Abram alas pra Jesus passar

        "E sucedeu que, estando ele em casa, à mesa, muitos publicanos e pecadores vieram e tomaram lugares com Jesus e seus discípulos. Ora, vendo isso, os fariseus perguntavam aos discípulos: Por que come o vosso Mestre com os publicanos e pecadores? Mas Jesus, ouvindo, disse: Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes. Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero e não holocaustos; porque eu não vim chamar justos, e sim pecadores ao arrependimento.” - Mateus 9:10-13

        "Então Paulo, levantando-se no meio do Areópago, disse: Homens atenienses, em tudo vos vejo acentuadamente religiosos; porque, passando e observando os objetos de vosso culto, encontrei também um altar no qual está inscrito: Ao Deus desconhecido. Pois esse que adorais sem conhecer é precisamente aquele que eu vos anuncio. O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas...” - Atos 17:22-31

        "Fiz-me fraco para com os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns." - 1 Coríntios 9:22

        O texto a seguir traz uma reflexão sobre a polêmica em torno da decisão de uma tradicional e respeitada Igreja Evangélica em Belo Horizonte e no Brasil de colocar nas ruas um bloco de carnaval com o propósito de evangelizar os foliões.

        Alguns cristãos se valem das passagens bíblicas em destaque afirmando que elas conferem legitimidade para que um crente participe do Carnaval com o objetivo de evangelizar. A questão é complexa e requer uma análise mais cuidadosa. Inicialmente, é importante compreender o contexto histórico e cultural dessas passagens para aplicá-las corretamente à situação contemporânea.

        Em Atos 17:22-31, o apóstolo Paulo está em Atenas, uma cidade conhecida por sua diversidade religiosa e filosófica. Ao observar a religiosidade dos atenienses, Paulo utiliza um altar dedicado ao "Deus desconhecido" como ponto de contato para introduzir a mensagem do Evangelho. Ele adapta sua abordagem ao contexto cultural dos ouvintes, utilizando elementos familiares a eles para comunicar verdades espirituais. Essa estratégia demonstra a flexibilidade de Paulo em contextualizar a mensagem sem comprometer seu conteúdo essencial.

        Já em 1 Coríntios 9:22, Paulo expressa sua disposição em se adaptar às diversas condições culturais e sociais para alcançar diferentes grupos com o Evangelho. Ele afirma: "Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns." Essa declaração reflete a estratégia missionária de Paulo de identificar-se com as pessoas em suas variadas circunstâncias, visando a eficácia na comunicação do Evangelho.

        Aplicando esses princípios ao contexto do Carnaval, uma festividade caracterizada por celebrações que, em muitos casos, envolvem excessos e comportamentos contrários aos valores cristãos, surge a questão: é legítimo que cristãos participem dessas festividades com o propósito de evangelizar? Alguns argumentam que, seguindo o exemplo de Paulo, é válido inserir-se nesse ambiente para alcançar aqueles que dificilmente seriam atingidos em outros contextos. Essa perspectiva enfatiza a necessidade de levar a mensagem de Cristo a todos os lugares, independentemente das circunstâncias.

        Outro argumento frequentemente apresentado é o fato de que Jesus comia e interagia com pecadores, como evidenciado no banquete na casa de Mateus (Mateus 9:10-13). Nessa passagem, Jesus é criticado pelos fariseus por estar à mesa com publicanos e pecadores. Sua resposta ressalta que Ele veio para chamar pecadores ao arrependimento. Esse episódio pode ser interpretado como um modelo de engajamento evangelístico em meio a ambientes predominantemente pecaminosos.

        Contudo, é necessário fazer distinções importantes. Primeiramente, Jesus nunca participou dos pecados daqueles com quem Ele se encontrava. Seu envolvimento com pecadores não era para compartilhar de seus estilos de vida, mas para chamá-los ao arrependimento. Sua presença nesses ambientes não significava aceitação do comportamento pecaminoso, mas sim uma oportunidade intencional e estratégica para proclamar o Reino de Deus.

        Por outro lado, a Bíblia adverte sobre os perigos da influência do ambiente sobre a conduta do crente. Em 1 Coríntios 15:33, Paulo alerta: "Não vos enganeis: as más conversações corrompem os bons costumes." Além disso, em 2 Coríntios 6:14-17, ele exorta os crentes a não se colocarem em jugo desigual com os incrédulos, ressaltando a incompatibilidade entre a justiça e a iniquidade, entre a luz e as trevas. Essas passagens ensinam a cautela ao se envolver em ambientes que possam comprometer a integridade espiritual do cristão.

        A participação no Carnaval com o objetivo de evangelizar deve ser avaliada à luz desses princípios. É possível que alguns cristãos, firmes em sua fé e conscientes dos riscos, sintam-se chamados a atuar nesses ambientes como agentes de transformação. No entanto, é essencial que essa atuação seja acompanhada de discernimento, preparação espiritual e suporte da Igreja local, para evitar que a influência do ambiente adverso comprometa sua integridade espiritual. Tenho acompanhado trabalhos sérios nessa área e testemunhos de pessoas que foram alcançadas ou que se reconciliaram com o Senhor porque a Igreja decidiu sair das quatro paredes e cumprir sua missão (Marcos 16:15).

        É importante considerar também as alternativas de evangelização durante o período do Carnaval que não envolvem a participação direta nas festividades. Muitos grupos cristãos organizam retiros espirituais, eventos evangelísticos paralelos e ações sociais que oferecem oportunidades de compartilhar o Evangelho de maneira eficaz e coerente com os valores cristãos. Essas iniciativas permitem que os crentes alcancem os foliões sem se exporem aos riscos associados à participação direta nas festividades.

        Outro fator a considerar é a percepção do testemunho cristão. Em 1 Tessalonicenses 5:22, Paulo aconselha: "Abstende-vos de toda forma de mal." Se a participação em um evento for interpretada como conivência com práticas contrárias ao Evangelho, pode-se comprometer a credibilidade do testemunho cristão. Mesmo que a intenção seja evangelística, a forma como essa presença é percebida pelo público pode gerar escândalo e prejudicar a mensagem.

        Concluindo a questão, podemos dizer que as passagens de Mateus 9:10-13, Atos 17:22-31 e 1 Coríntios 9:22 fornecem princípios de contextualização e adaptação na evangelização. No entanto, a aplicação desses princípios ao contexto do Carnaval requer uma avaliação cuidadosa dos riscos e das oportunidades envolvidas. Cada cristão deve, em oração, discernimento e mentoria sensata, considerar sua participação nessas atividades, buscando sempre glorificar a Deus e preservar sua integridade espiritual.

 

        Deus te abençoe,

        

        Franklin Rosa

 

        Bibliografia:

        ●Bíblia de Estudo Thompson: Cadeia temática de referências cruzadas – Frank Charles Thompson

        ●Comentário Bíblico Wiersbe: Vol. 2 Novo Testamento – Warren W. Wiersbe

        Carnaval - A Festa da Carne – ICP: Instituto Cristão de Pesquisas

 

        Sugestão de leitura:

        ●Carnaval – A Festa da Carne – Márcio José Pinheiro

        ●Cristão cai na folia? – Wésley Câmara

        ●Cristo no Carnaval: Fé em Meio às Multidões – Marcos Melo