Espantado com o Divino
“Quando
contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que firmaste,
que é o homem para que dele te lembres? E o filho do homem, para que o
visites?” — Salmo 8:3-4
Há dias em que caminho como quem pisa em vidro — cada passo é um cuidado, cada respiração um susto. Não porque a vida esteja perigosa — de fato está —, mas porque percebo o quanto ela é preciosa. O simples ato de existir me escapa pelos dedos como água limpa. E me espanta.
O
divino não chega com clarins nem relâmpagos. Chega na xícara de café fumegante
que alguém me oferece sem pedir nada em troca. No sorriso que brota sem motivo,
no silêncio da madrugada que se enche de grilos — como se o universo respirasse
ao meu lado.
Talvez
por isso eu desconfie das explicações muito afiadas, das teologias que se
acomodam em manuais bem diagramados. O sagrado não cabe em tabelas. Deus não é
tese para ser defendida nem objeto de dissecação — é surpresa para ser vivida.
Já
tentei prendê-Lo com definições. Fui como menino que quer guardar o vento num
vidro. Descobri que quanto mais fecho a tampa, mais rápido o ar some. O divino
gosta de escapar pelas frestas, gosta de brincar de esconde-esconde no quintal
da nossa alma.
Fico
pensando se não perdemos algo quando tentamos domesticar Deus. Quando O
vestimos com trajes sisudos, como se fosse um professor que avalia e dá nota
para nossas preces. Talvez o Criador ria, escondido atrás das estrelas, desse
nosso esforço em transformá-Lo em burocrata celestial.
Prefiro
continuar espantado. Como criança que se cala diante do trovão. Como jardineiro
que não sabe explicar o segredo da semente, mas se emociona quando vê o broto
rasgar a terra. Espanto é oração sem palavras.
Quem sabe seja coisa da idade —
já são 55 voltas em torno do sol —, mas percebo que o tempo não serve para
decifrar Deus, apenas para admirar ainda mais o Seu mistério, tornando a conexão
com o sagrado mais maravilhada, mais rendida e mais cheia de gratidão
Quero que minha fé nunca se torne
hábito. Que cada nascer do sol continue me desconcertando, como se fosse o
primeiro. Que eu nunca me acostume com o fato absurdo de que um Deus infinito
se importa com alguém tão pequeno.
Certamente
o verdadeiro milagre não seja ver o mar se abrir, mas sentir que o próprio céu
se inclina para ouvir quando sussurro por Sua presença baixinho.
Sim,
continuo espantado com o divino. E tomara que nunca passe.
Com reverência e gratidão,
Franklin✍