A Mesa de Emaús
“Enquanto caminhavam, Jesus se
aproximou e ia com eles. Os olhos deles estavam fechados, e não o reconheceram.
[...] Nós esperávamos que fosse Ele quem havia de redimir Israel. [...] Tomou o
pão, abençoou-o e, partindo-o, lhes deu. Abriram-se-lhes então os olhos, e o
reconheceram.”
— (Lucas 24:13-32)
Venho pensando que a fé, às vezes, é um caminho envolto em neblina — não se enxerga muito à frente, mas ainda assim a gente anda, confiando que o sol, cedo ou tarde, há de surgir depois da curva. Os discípulos
de Emaús conheciam bem essa sensação — caminhar com o coração cansado,
arrastando esperanças mortas. Falavam sobre o Cristo, mas não O reconheciam ao
lado. A promessa estava ali, mas o olhar ainda dormia.
Creio que a fé honesta é o hiato sagrado entre o que os olhos veem e o que o coração entende — o tempo que Deus usa para transformar a estrada em mesa, e a presença, em encontro onde tudo finalmente faz sentido. A revelação não aconteceu no discurso, mas no gesto mais simples e humano: o partir do pão. Foi quando o cotidiano se tornou altar, e o ordinário se incendiou pela Presença.
O milagre raramente grita — ele sussurra
nas entrelinhas da vida comum. Cristo ainda caminha conosco, disfarçado de
companheiro, de desconhecido, de conversa boa ao entardecer. Ele se esconde nos
intervalos da pressa, nas pequenas mesas da vida, na partilha que rompe o ego e
nos faz comungar com o que passa despercebido.
O caminho de Emaús é o caminho de todos nós — uma
peregrinação entre a frustração e a descoberta, entre a desesperança e o suspiro da
alma que ainda insiste em crer. Às
vezes, Deus se cala porque deseja que O encontremos no gesto, não no argumento.
Porque há verdades que só o pão quente e as mãos partidas conseguem dizer.
Enquanto o coração arde, compreendo que a fé não é sobre chegar, mas sobre caminhar com os olhos despertos. Não é sobre provar que Ele está vivo, mas perceber que a vida toda só ganha sentido quando Ele reparte o pão conosco — e a quietude se torna linguagem de Deus.
Eu também caminho por estradas de Emaús. E, quando
o céu parece distante e a alma descrê do milagre, lembro-me de que Ele continua
à mesa — paciente, silencioso, partindo o pão de cada revelação. No fim, não há
teologia mais profunda do que essa: o Cristo que se revela no gesto, não na eloquência do discurso. E, toda vez que o pão é partido e recebido com sinceridade, simplicidade e amor, Emaús acontece outra vez.
