Entre o já e o ainda não

    “Porque para mim tenho por certo que as aflições do tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada [...] Porque sabemos que toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora [...] E não só ela, mas nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo.” — (Romanos 8:18–25)

    Vivemos num intervalo invisível entre o que já é e o que ainda será, um território suspenso entre o agora e o eterno. Nesse espaço tênue, o coração humano aprende a respirar em dois tempos: o da promessa e o da espera. Nos movemos como quem pisa em terra prometida e, ao mesmo tempo, como quem ainda atravessa o deserto. É a contradição sagrada de uma existência que já prova as primícias do Reino, mas ainda sente a poeira do caminho que falta percorrer.

    O “já” é a semente do Divino plantada em solo humano — Cristo em nós, esperança da glória. É o toque do futuro invadindo o presente, a eternidade que, por um instante, se assenta à mesa da ceia, que se revela no perdão concedido e na lágrima enxugada pela fé. O “já” é o sabor da redenção antecipada, o lampejo de um sol que ainda não amanheceu por completo, mas cuja luz já anuncia o raiar do dia.

    O “ainda não” é a pedagogia da espera. É o trabalho oculto do Espírito no subterrâneo da história — a nova criação já respira, mas o parto ainda não terminou. É o tempo da tensão entre o “tudo já foi consumado” e o “vem, Senhor Jesus”. O “ainda não” não denuncia uma ausência, mas revela o ritmo de um Deus que não se apressa, porque cada demora é também revelação. A promessa não escapa do real; ela redime o tempo em processo.

    Sinto que nos equilibramos no limiar de um mundo prestes a ser refeito, onde cada escolha de fé é uma fagulha escatológica. O Reino já começou, mas ainda não terminou de nascer. Ele cresce silenciosamente nos intervalos aparentemente vazios da história — entre o suspiro e a esperança, entre a cruz e a coroa. E nós, peregrinos da promessa, aprendemos a andar de mãos dadas com a contradição, sustentados pela certeza do que se espera.

    A fé, nesse entremeio, é mais que crença — é postura. É o modo de existir de quem sabe que a eternidade já começou por dentro. Por isso, o tempo presente não é apenas um ensaio do futuro, mas o próprio palco onde o porvir começa a se escrever. O “já” e o “ainda não” não são opostos, mas movimentos de um mesmo sopro Divino progressivo, até que tudo se cumpra em Cristo.

    Assim, cada manhã traz consigo o mesmo paradoxo: já fomos encontrados, mas ainda procuramos; já vencemos, mas ainda lutamos; já somos filhos, mas ainda gememos por adoção plena. A tensão escatológica não é um erro de cronologia, é o pulso da fé madura — aquela que caminha sem ver o fim, mas reconhece as pegadas do Eterno ao longo da estrada.

    Entre o já e o ainda não, vivo em construção: sou templo inacabado onde Deus já habita, mas ainda trabalha. A promessa, então, não é ilusão adiada — é semente de realidade. E o tempo, esse fio estendido entre o Alfa e o Ômega, é o espaço em que aprendo o exercício da esperança: crer no invisível, celebrar o inacabado, e descansar no Deus que já É, mesmo quando ainda não O vejo.


Franklin


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PARTE 01 Eu creio em Jesus, mas... não creio no Cristo da Bíblia 

PARTE 02 Eu creio em Deus, mas... não creio que a Bíblia seja sua Palavra  

PARTE 03 Eu creio em Deus, mas... não creio que preciso de Igreja  

PARTE 04 Eu creio em Deus, mas... creio que todos os caminhos levam a Ele

PARTE 05 Eu creio em Deus, mas... não creio que haverá condenação num juízo final 

PARTE 06 Eu creio em Deus, mas... não creio que a Bíblia seja relevante nos dias de hoje

PARTE 07 Eu creio em Jesus, mas... não creio que Ele é Deus


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